Sobre as oficinas nos centros comunitários e o acesso à cidade


O tema da autonomia é transversal ao que tenho visto e pensado aqui na atividades que estou realizando. Pela rádio Nikosia, fui convidada a estagiar nas atividades ofertadas por eles ou em parceria com outras instituições, como a Red Sin Gravidad (que oferta diversas oficinas pelas cidade).

Na semana passada participei de uma oficina de pintura, realizada por uma brasileira muito viva e ávida, chamada Fabiana, e estive em uma outra atividade que se chama “Yoga para corpos cansados…ou nem tanto” (perfeita para mim que tenho o corpo muito cansado 😁).

Poderiam ser atividades como quaisquer outras, muitas das que acompanhamos em serviços de saúde ou em atividades abertas do SESC. Mas o que me chamou atenção e que merece destaque, na minha opinião, é possibilidade de circulação na cidade das pessoas que estão na Nikosia e que possuem diagnósticos em saúde mental.

Há um pressuposto, que me parece fundamental, de que todas as oficinas são realizadas no território e centros cívicos. Essas oficinas não são destinadas às pessoas que fazem tratamento em serviços de saúde mental. A ideia é, justamente, produzir reinserção psicossocial do modo que, de fato, precisa ser: com a sociedade e não como se fosse possível prescindir dela. 

Esse aspecto me lembra as 4 dimensões necessários para a reabilitação psicossocial de Paulo Amarante (2007): a dimensão epistemológica (a produção científica no campo), a dimensão técnico-assistencial  (que pressupões mudanças na formação e nas práticas da assistência para uma ética do cuidado antimanicomial (de liberdade e autonomia), o eixo político-jurídico (que tem relação com garantias de financiamento e de direitos) e por fim, que tem relação com as oficinas, na minha opinião, que é a dimensão sócio-cultural: aqui há o pressuposto fundamental de que precisamos ser uma sociedade antimanicomial e não circunscrever o debata sobre autonomia, preconceito e direitos das pessoas em sofrimento mental somente dentro de nossas bolhas - ou apenas em nossos serviços. Há de ocuparmos os espaços públicos para garantirmos acesso às diferenças. Só assim conseguimos produzir o comum.

É com esse imperativo ético que notei, nas oficinas, muitos espaços de sociabilidade que cabiam nesse ir e vir das atividades e das oficinas: os usuários da Rádio Nikosia, por exemplo, combinam de frequentarem os cafés do Centro Cívico 30 minutos antes de entrarem nas atividades. Eles conversam, se reunem, ocupam o lugar junto à todas outras pessoas que circulam por lá. Isso não quer dizer, todavia, que não há tensionamentos: me contava uma das profissionais da Nikosia que no fim do ano passado eles proibiram os frequentadores de esquentarem suas marmitas no microondas pelo cheiro que exala da comida.
Claro que isso tem mais relação pelo incomodo com os encontros das pessoas "com diagnóstico" que se produziam em torno dos alimentos esquentados e compartilhados que do qualquer outra coisa.
Ainda sim, resiste-se. Não confinar e ocupar o público é o enfrentamento mais necessário que precisamos nos propor a fazer enquanto trabalhadores e pesquisadores da Reforma.

Isso me lembrou um dos textos que estava lendo esses dias sobre a proposta da Clínica Aberta da Psicanálise que se dá nos espaços públicos: na praça e na Vila Itororó, centro comunitário que fica na região da Bela Vista, perto do bexiga.

Daniel Guimarães, psicanalista e um dos idealizadores do projeto, produziu uma discussão fundamental sobre acesso à cidade e à psicanálise e começa o texto com a seguinte pergunta:  Num tempo de cidades e vidas mercantilizadas, seria possível pensar em transportes urbanos gratuitos? E em psicanálise sem dinheiro? 


A proposta do projeto, que nasce da retirada de moradores da região do Bexiga para construção do Centro Comunitário da Vila Itororó como modo de produção de reparação psíquica a essa política, tem com proposta pensar a psicanálise que pode ser democrática e feita sem a mediação do dinheiro - em tempos de crise e de neoliberalismo - e pelo acesso das pessoas à cidade.

Aqui, como disse no relato anterior, há uma política de pensões não contributivas (para as pessoas que não conseguiram contribuir com o fundo de pensão espanhol) melhor que a nossa em termos de valores: assim é possível, obviamente, garantir o direito de ir e vir (coisa que não se faz possível para muitas das pessoas que não conseguem pagar quase R$10,00 para ir e voltar de transporte público). 
Ademais, Barcelona é uma cidade pequena e muitas das atividades se pode fazer a pé. Há muitas ciclovias e a grande parte das pessoas anda de bicicleta. Os metros atravessam a cidade inteira. É possível  morar em regiões mais afastadas e estar no centro em 30 minutos de metrô.

Esse combo de ter atividades no centros comunitários para pessoas com ou sem diagnóstico e com espaços de encontros + acesso à cidade + cidade que garante a mobilidade, seja com o transporte público de qualidade que atravessa a cidade toda, seja com ciclovias que permitem o deslocamentos das pessoas de bicicleta ou patinete em segurança é absolutamente necessário quando pensamos em termos autonomia.

Por fim é importante mencionar que as oficinas são lindíssimas e respeitam a subjetividade do outro. A oficina de pintura da Fabiana se faz de pé (para deslocarmos o corpo da posição professor e alunos que escreve na mesa). Pensa-se o corpo em expansão e Fabiana acompanha o processo de cada um tendo a arte como mediador de vida e de criação.

Aqui vai algumas fotos da minha vivência nessa oficina:





Fonte: registro pessoal. 
É interessante notar que busca-se trabalhar com abundância de materiais e com elementos diversos.


E a outra professora de Yaga para corpos cansados (que me esqueci o nome agora) é absolutamente compreensiva com os limites de cada um e encoraja a tentativa de novas posições. 


Há ainda oficina de teatro do oprimido e de percussão que não pude participar.

Comentários

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